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Da inversão dos tempos

Fechei os olhos e tentei projetar-me no futuro, num futuro para mim, aparentemente distante.

Criei a minha narrativa. Vi-me envelhecido, mas não acabado. Centrei-me no mote do projeto da Comissão de Proteção ao Idoso, inspirei-me nos textos que aqui vão encontrar.

Encontrei-me então sozinho e desprezado, acompanhado pela solidão que cresce em igual proporção ao declínio das minhas capacidades.

– Às vezes sinto-me confuso, falam todos tão rápido, perco-me nas explicações. Ouço atrás de mim, comentários depreciativos à minha pessoa. São impacientes comigo. Berram, como se eu ouvisse mal. Perco-me! Faço perder o tempo aos outros, fazem-me perceber. Perdi a voz. Acreditei!

Houve nesse momento uma explosão de sentimentos e emoções negativas dentro de mim.

Senti um silencioso arrepio! Algo dentro de mim se transformou! Os meus silêncios tinham voz, dentro de mim! Apareceram.

– Sinto-me ansioso, fraco, envergonhado, inútil, triste e desolado. A cada sentimento ou emoção sobrepõe-se outra mais negativa. Resigno e penso: as coisas são o que elas são. Aceito!

Voltei a mim. Estava desconfortável. Nunca me imaginara envelhecido, não dessa maneira. Isto foi terrível, mesmo tratando-se da minha imaginação. Por momentos pensei fazer sentido aquilo que tantas vezes ouvi – não quero chegar a velho. Medo, compreendi.

O exercício não foi exaustivo, mas muito significativo. Acredito que foi de igual forma para todos os que participaram neste projeto. Disso tive a certeza mesmo antes de experimentar. Bastou-me ler o primeiro texto.

A  Comissão de Proteção ao Idoso e a Casa do Professor associaram-se à comunidade escolar e desafiaram estes a refletirem sobre o fenómeno da violência contra a pessoa idosa.

O intento foi simples, convidar a comunidade escolar a dar voz ao silêncio. O desafio foi amplamente aceite. O processo criativo estava em marcha. Criou-se a narrativa. Cada professor deu início à sua estória, um episódio que bem enquadrasse as dificuldades vividas pelas pessoas idosas. Ilustração dos diferentes tipos de violência – económica – social – verbal – etc.

A segunda etapa do desafio consistiu na partilha desse inacabado conto com estudantes de outras escolas, permitindo-lhes refletir e concluir a estória – dar voz aos silêncios, eternizados na indeterminação do professor.

Assim, encontrará neste livro a reunião desses diferentes contos, iniciados por estes professores e terminados pelos alunos. Um processo de liberdade intelectual, reflexivo e colaborativo intergeracional acerca do futuro. Um exercício de projeção empática.

Imaginar ou criar realidades alternativas é um processo integrativo, na medida em que pode resultar da conjugação de diferentes conhecimentos. Podemos desconhecer o fenómeno da violência contra a pessoa idosa, mas se conhecermos o fenómeno da violência e tivermos o conceito de pessoa idosa, podemos criar uma realidade conjugada. Integrando os diferentes elementos do nosso conhecimento.

Neste sentido, obviamente que orientados na narrativa, os jovens estudantes reconheceriam e assimilariam o fenómeno de violência contra a pessoa idosa. Menos óbvio é a leitura e interpretação desse fenómeno. O enredo estava criado, porém a liberdade de resolução foi-lhes permitida.

Há pontos cegos na nossa imaginação. O nosso cérebro cria-nos algumas armadilhas. Somos tentados à adaptabilidade. Tendemos a compreender os fenómenos através da nossa perspetiva. Dificilmente procuramos a perspetiva do outro. Acreditamos, a maioria das vezes, ser a nossa perspetiva a mais correta, tanto como a que se apresenta com mais possibilidades para a nossa sobrevivência.

Assistimos assim à tomada de perspetiva destes alunos, de certo modo, projetados no futuro. Reativos à realidade que não escolheram, mas que por circunstâncias da vida tinham de lidar – a iniciada narrativa. Dando leitura às ações e emoções das personagens. Em si mesmo projetadas de modo impactante.

Compreenderam, foram compassivos, empáticos e resolutivos. Sobreviventes, por vezes.

Deram voz ao silêncio ao reconhecerem-se, tal como estas personagens, igualmente desalentados, solitários, inseguros, perdidos ou desesperados. Quase nunca combativos. Apenas resignados. Mergulhados na aceitação e misericórdia.

É incrível a capacidade de nos adaptarmos. Reminiscências do instinto de sobrevivência.

Quando duas realidades aparentam estar demasiado distantes, ainda que se tratem do princípio, meio e fim da mesma natureza, são aparentemente distintas.

Vislumbrarmo-nos envelhecidos, para muitos de nós é um processo enigmático, pelo sentido de longevidade. Ainda que se trate de um fenómeno contínuo e inerente à experiência de vida. Representa uma fase de declínio. Dependência. Afásica. Há uma perceção negativa do estar-se idoso.

Assentiremos isso mesmo. Convido-vos a descobrirem, por vós mesmos, ao longo das estórias aqui apresentadas, também as perceções realísticas do se ser idoso. Os medos. As angústias. As diferenciações geracionais. As dificuldades de perspetivar na positiva. Ou de dar a volta por cima.

O enigma não é gigante. A premissa é simples. Coloque-se no lugar do outro. Facilita. Sinta. Olhe. Escute ao seu redor. Descentrem-se de si. Entenda o idoso próximo de si. É sobre isto que que este conjunto de textos aqui reunidos trata. Sobre as perceções dos silêncios da pessoa idosa vítima de violência e da sua expressão interior. Invertam-se nos tempos e reflitam. Dê voz aos silêncios.

Herculano Andrade
Psicólogo
Colaborador da Comissão de Proteção ao Idoso

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Os vossos contos

Sugestão de atividade

  • Os conteúdos disponibilizados são contos sobre a violência contra a pessoa idosa.
  • Os contos têm um início que foi elaborado por professores ou alunos de uma escola e um final que foi escrito por outros professores ou alunos.
  • Procurámos ter escolas de regiões urbanas e outras de áreas mais rurais com diferentes vivências do envelhecimento.
  • Um dos contos tem vários finais que foram escritos por diferentes alunos.
  • Sugerimos como atividade a elaboração de mais um final para este conto uma vez que se trata propositadamente de uma história em aberto.
  • Não deixe de ver o ebook com todos os contos elaborado pelos alunos.