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O que é a violência contra a pessoa idosa
O abuso da pessoa idosa pode ser definido como todo o ato ou omissão cometido contra uma pessoa idosa no contexto de uma relação de confiança que atenta contra a sua vida, a integridade física ou psíquica, a liberdade, a segurança económica ou compromete o desenvolvimento da sua personalidade.
Esta definição corresponde à noção que foi introduzida pela Action on Elder Abuse (AEA, 1993) e adotada pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002).
O elemento essencial é a confiança – expectation of trust – entre a pessoa idosa e o agressor, seja na família, numa instituição ou noutro contexto. É este aspeto que permite distinguir o abuso ou violência contra idosos dos crimes em que, embora a vítima seja uma pessoa idosa, devem ser reconduzidos à criminalidade comum.
Para a OMS a violência contra idosos é uma matéria de saúde pública e política criminal.
A OMS adotou um conceito muito amplo de saúde em que esta corresponde a um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas à ausência de doença. Por outro lado, considera que a saúde pública se caracteriza pela prevenção. Incluir a violência contra idosos na saúde pública significa considerar que existem medidas para a prevenção e que a intervenção não deve centrar-se exclusivamente na punição.
No que respeita à política criminal tem sido discutida a criação de um bem jurídico específico para as pessoas idosas, a introdução de uma circunstância modificativa comum (ou geral) agravante relacionada com a vulnerabilidade em função da idade avançada ou a introdução de novos tipos legais de crime para tutela dos idosos.
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Os tipos de violência contra a pessoa idosa
A violência contra as pessoas idosas pode revestir diferentes modalidades:
Violência Física
Qualquer comportamento que implique agressão física, por exemplo, crimes de ofensa à integridade física, maus tratos físicos, sequestro, intervenções e tratamentos médicos arbitrários.
Violência Psicológica
Provocar intencionalmente na pessoa idosa dor, angústia através de ameaças, humilhações ou intimidação de forma verbal ou não verbal, por exemplo, insultos, ameaças, humilhação, intimidação, isolamento social, proibição de atividades.Violência Económica
Qualquer prática que visa a apropriação ilícita do património de uma pessoa idosa e pode ser realizada por familiares, profissionais e instituições.
Violência Sexual
Violência na qual o agressor abusa do poder que tem sobre a vítima para obter gratificação sexual, sem o seu consentimento, sendo induzida ou obrigada a práticas sexuais com ou sem violência.Negligência e Abandono
É o ato de omissão de auxílio do responsável pela pessoa idosa em providenciar as necessidades básicas, necessárias à sua sobrevivência, por exemplo, o crime de omissão de auxílio e não providenciar acesso a cuidados de saúde.
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As alterações sociais e a violência contra a pessoa idosa
Numa análise da evolução da sociedade portuguesa é possível estabelecer um paralelismo entre as alterações que ocorreram e a situação das pessoas idosas.
O período entre os anos sessenta a noventa caracterizou-se pela emigração das gerações mais novas na procura de melhores condições de vida. Verificou-se também um fenómeno de litoralização da população com a concentração nos grandes centros urbanos. A consequência foi o isolamento e o abandono dos idosos. A partir dos anos noventa, esta questão começou a ser discutida publicamente e surgiram projetos de combate à negligência e abandono das pessoas idosas.
A crise económica de 2008 provocou a perda de rendimento de uma parte da população. Ocorreu também a perda de habitação própria pela incapacidade de suportar os encargos com a aquisição ou o arrendamento. Perante estas dificuldades muitos agregados regressaram para junto dos familiares idosos e passaram a partilhar a mesma habitação e os seus rendimentos. Esta situação levou a um aumento da violência psicológica e económica.
A situação de saúde pública provocada pelo Coronavírus e pela doença Covid-19 acentuou os riscos de violência psicológica e económica contra os idosos pelas consequências na economia, pelas medidas de confinamento e pelo encerramento das estruturas de apoio como os centros de dia ou outras associações.
Nos últimos anos foram realizadas campanhas públicas de sensibilização para a violência contra os idosos centradas nestes aspetos.
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Os números da violência contra idosos
No ano de 2022, a operação Census Sénior que foi realizada pela Guarda Nacional Republicana detetou 44.511 pessoas idosas em situação de vulnerabilidade por residirem sozinhas ou isoladas.
A Guarda Nacional Republicana e a Polícia de Segurança Pública implementaram um projeto específico de apoio aos idosos denominado Programa Apoio 65 – Idosos em Segurança.
Os dados divulgados pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV, 2020) indicam que entre os anos de 2013 e 2020 foram registados 16.962 factos criminosos contra idosos e identificadas 8458 vítimas.
No ano de 2021, a operação Solidariedade Não Tem Idade/2021 da Polícia de Segurança Pública sinalizou 1.244 idosos que se encontravam em situação de risco.
Estes dados representam um aumento em relação aos anos anteriores.
Existe a perceção de que este aumento pode não corresponder a um número mais elevado de situações de violência, mas a uma maior visibilidade em consequência da consciencialização dos direitos, da sensibilização da população e do aumento das denúncias. Esta conclusão decorre do acréscimo das participações através da linha de atendimento APAV e da Linha do Cidadão Idoso do Provedor de Justiça. Estima-se que atualmente 16,00% das denúncias são realizadas pelas próprias pessoas idosas.
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O perfil da vítima e do agressor
A OMS adotou o modelo ecológico de determinação do perfil da vítima e do agressor no abuso da pessoa idosa (OMS, 2002).
Este modelo conjuga fatores individuais, sociais e estruturais:
O primeiro nível identifica aspetos pessoais que influenciam a probabilidade de o indivíduo se tornar vítima ou agressor. Incluem-se aqui características demográficas como a idade, o género, o nível educacional e as condições económicas e aspetos como desordens de personalidade, abuso de substâncias ou uma história prévia de comportamento agressivo.
O segundo nível centra-se nas relações próximas como as que são estabelecidas com parceiros íntimos, a família ou amigos e explora como estas relações aumentam o risco de o indivíduo vir a ser vítima ou agressor. Destaca-se aqui a vivência de ambientes de violência na família ou entre pares.
O terceiro nível refere-se aos contextos comunitários em que ocorrem as relações sociais como a escola, o local de trabalho e a área de residência e procura identificar as características destes contextos que aumentam o risco de violência.
O quarto nível identifica os fatores sociais mais globais que ajudam a criar um ambiente em que a violência é inibida ou fomentada. Incluem-se aqui aspetos como as normas culturais e sociais e as políticas económicas, educacionais e sociais que podem contribuir para a desigualdade económica e social.
No abuso contra idosos as vítimas são maioritariamente mulheres e os agressores são homens.
Os dados mais recentes demonstram que entre a vítima e o agressor existe uma relação de filiação ou conjugalidade em 36,90% e 27,50% das situações (APAV, 2019).
No ano de 2005, foi realizado um estudo sobre a violência contra idosos na cidade de Braga. Este estudo constatou uma incidência de 28,00% das pessoas inquiridas com pelo menos um indício de abuso e concluiu que as principais formas eram a negligencia ou abandono e a violência psicológica ou económica.
A principal característica da vítima de abuso é a sua ambivalência. No abuso da pessoa idosa existe uma relação de confiança entre a vítima e o agressor. Esta relação leva a que muitas vezes a vítima representa a situação de abuso, mas prefere não reagir porque tem uma relação afetiva ou de dependência com o agressor. Esta situação é frequente no abuso de filhos contra os pais e no abuso institucional. Outras vezes, a vítima nem sequer representa a situação de abuso. Este aspeto é particularmente relevante porque a violência contra idosos está relacionada com a conjugação de outras vulnerabilidades como a representação negativa da velhice, a baixa autoestima ou um passado em que foram vivenciados episódios de violência familiar.
Um estudo realizado no ano de 2019 num centro de dia situado no interior do país revelou que do universo de idosos inquiridos 70,58% tinham uma representação negativa da velhice, aliada à tristeza e à solidão (ISSSP, 2019).
A ambivalência também caracteriza o agressor. É frequente o abuso contra idosos não ser intencional. A negligência ou abandono e a violência psicológica ou económica são as modalidades mais frequentes de abuso. Estes tipos de violência estão muitas vezes relacionados com a situação pessoal do agressor e com as suas condições de vida. O agressor não pretende o seu comportamento, mas considera que não lhe pode ser exigido mais pelo cansaço na prestação de cuidados, por estar sujeito a outras exigências como acontece quando tem filhos ou pelas dificuldades económicas que enfrenta.
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Os métodos para a prevenção da violência contra idosos
O abuso da pessoa idosa exige uma abordagem multidisciplinar e de proximidade.
Os técnicos sociais desempenham uma função essencial pelos contactos que podem manter e pela possibilidade de realização de visitas domiciliárias. Os profissionais de estruturas de apoio como os centros de dia podem aperceber-se de alterações de comportamento e no relacionamento com os cuidadores ou os familiares cujas causas devem ser averiguadas. Os médicos e os enfermeiros podem detetar sinais de abuso facilmente visíveis como fraturas ou hematomas, mas também sinais menos evidentes como a apatia ou depressão. Os tribunais não devem limitar-se a uma atitude passiva de receção de denúncias ou informação de outros organismos e devem aproveitar os contactos com as pessoas idosas para, de uma forma indireta e informal, despistar a existência de abuso.
Tem sido proposta uma abordagem designada de routine screening protocol que consiste em questionários breves que podem ser utilizados pelos profissionais.
Existem outros métodos com validação científica que consistem em questionários dirigidos aos profissionais após o atendimento de idosos (Brief Abuse Screen for the Elderly) e questionários que conjugam as duas modalidades com perguntas dirigidas às pessoas idosas e um comentário a realizar pelos profissionais (Elder Abuse Suspicion Index).
A OMS considera que as abordagens de triagem são positivas, mas devem ser cumpridas algumas condições. A utilização de métodos de triagem deve ser compreendida e aceite pela comunidade, os questionários devem ser simples, seguros e validados e devem existir sistemas efetivos de continuação do acompanhamento após a recolha da informação (OMS, 2008).
A importância de serem colocadas questões pelos profissionais foi referida pela Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica por duas vezes nas suas recomendações (EARHV, 2017).
No âmbito do projeto europeu Safe, a Escola de Psicologia da Universidade do Minho desenvolveu um manual para profissionais que lidam com idosos vítimas de maus tratos. O método escolhido foi um instrumento de triagem, tendo sido elaborado um modelo de entrevista para as pessoas idosas.
Sugestão de atividade
- Os elementos disponibilizados visam fornecer o enquadramento teórico sobre a violência contra a pessoa idosa.
- Estes elementos destinam-se a ser debatidos pelos professores e alunos.
- Ao longo do texto constam informações adicionais que podem ser discutidas.
- Pode ser visto o filme como elemento de reflexão.